terça-feira, 20 de maio de 2014

Os álbuns portugueses editados em 2004


A produção nacional de 2004 é sintomática - 50 por cento da música é cantada em inglês, o hip hop tuga continuava a afirmar-se, o pós-punk continuava a dar cartas, o melhor rock vinha de Coimbra e surgia o novo fado. Entre as vacas sagradas (Xutos, Mão Morta, José Mário Branco), algumas afirmações (Clã, Da Weasel e Wraygunn), estreias que viriam a não dar em nada (Loto e Plaza) e outras que deram alguns frutos (Yellow W Van e Matozoo), em 2004, Portugal ainda tentava, excepto uma ou outra excepção, imitar o que vinha de fora.

Comecemos pelos mais singulares: os Olga e os Hipnótica. Ambos ainda resistem, mas com um som radicalmente diferente. Os Olga estreiam-se com O, um álbum pós-rock via Mogwai e os Hipnótica cimentam o seu percurso (que já tinha começado há precisamente dez anos) com um registo etéreo e de referências ao jazz, à electrónica e à música ambiental. Hoje, uns dedicam-se ao rock, os outros à folk.

De Alcobaça, Armando Teixeira (produtor) apadrinha a estreia dos Loto, com um disco que é o equivalente a uma vénia aos New Order. Tivesse saído um ano depois e Loto teria valido comparações com a também estreia dos LCD Soundsystem. Também com o som apontado aos anos 80 e às ancas, os gaienses Plaza estreiam-se com singles como "(Out) On the Radio" e "In Fiction". E os Fonzie? Punk daqueles que envergonha os punks, música pop, no fundo, uma banda às aranhas que não sabe se quer ser os Blink 182 (som) ou os Foo Fighters (a estética). 

Das cinzas dos Tedio Boys, dois discos com selo conimbricense: Eclesiastes 1.11,, dos Wraygunn e Trying To Lose dos Bunnyranch. Os primeiros oferecem um caldeirão rock, soul, blues e, surpresa!, hip hop. Os segundos entregam aquilo que esperamos de uma banda de rock de Coimbra: um bom disco que justifique ainda melhores espectáculos ao vivo. Ainda no rock, os Mão Morta lançam Nus, disco conceptual que junta spoken word, samples e que chega a roçar o metal num registo que toca no absurdo e exigente, e os Xutos & Pontapés editam Mundo ao Contrário. Não será essa a intenção da banda, mas, à imagem dos Stones, parece andar a picar o ponto discográfico de forma a justificar as digressões do que pela qualidade do material. Despachemos também a secção que não se leva a sério: Ena Pá 2000 com A Luta Continua e Comme Restus com Pharmácia Ananáz

No hip hop, a Matarroa ataca com dois álbuns importantes: Funk Matarroês, a estreia dos Matozoo e Conhecimento de XEG. Ambos atiram-se à sátira dos lugares comuns do rap nacional: a industria musical, os críticos, a política, Casa Pia, música portuguesa e, claro, o amor. Exploram uma linguagem mais crua, fruto do contracto com uma editora independente. Nota para a participação de boa parte do núcleo duro do hip hop tuga actual no disco de XEG: Regula, NBC, New Max e Sir Scratch. Os Da Weasel atacam com aquele que talvez seja o seu melhor trabalho: Re-Defenições e a estreia dos Yellow W Van é feita através de uma major, algo que os afasta da linguagem sem filtros da Matarroa. O som fica entre os Red Hot Chili Peppers e o Rage Against the Machine. 

Por fim, os novos discos de José Mário Branco, Clã e a estreia de A Naifa. O primeiro lança um "disco de intervenção" em tempos pré-crise europeia que, a tempos, soa a premonição. Quando canta "somos lixo!", na "Canção dos Despedidos", por exemplo. É um disco que ainda hoje impressiona, prova de vitalidade suprema, visto estas palavras fazem mais sentido do que nunca. Os Clã lançam aquele que será ainda hoje o seu disco mais arriscado - emocional, orquestrado, poético - e, a fechar, A Naifa estreia-se com o som a que se convencionou chamar novo fado. Com Mitó, Luis Varatojo, João Aguardela e Vasco Vaz, Canções Subterrâneas soa a pedrada no charco com as suas referências electrónicas e batidas secas a casarem na perfeição com a voz de Mitó e o som da guitarra portuguesa.

No segundo semestre, um regresso: o dos Zen - mais nervosos, mais brutos em Rules, Jewels, Fools, segundo e último álbum da banda do Porto. Também do Porto e vindos das cinzas de outra banda que brilhou nos anos 90, os Pluto de Manel Cruz e Peixe (ambos ex-Ornatos Violeta), mas também de Eduardo Silva (ex-Jep) e Rui Lacerda (ex-Insert Coin). Acabaria por ser um acto isolado a estreia dos Pluto, projecto que hoje soa à vontade de Manel Cruz se ir afastando progressivamente do som dos Ornatos. Pouco antes de morrer, John Peel abençoou No Waves, segundo capítulo discográfico dos Micro Audio Waves. Levou-os à internacionalização. Dois suspiros discográficos a fechar o ano: The Gift e Humanos. Os primeiros, munidos de grande ambição, editam AM/FM, álbum duplo que explora novos territórios na primeira metade (AM, a menos comercial, a mais desafiante) e cimenta um percurso de muitos singles na segunda (FM, a mais vendável). Já os Humanos, ou seja, Camané, Manuela Azevedo e David Fonseca, não só não envergonham o legado de António Variações, como ainda o voltam a levar às massas. "Maria Albertina" que quase esteve para não ser incluída no disco acaba por servir de porta-estandarte a um disco surpreendente. 

domingo, 18 de maio de 2014

[Semana 12-05-04] Magnetic Fields editam "i"


i é o sucessor desse clássico que é 69 Love Songs (que não tem 69 grandes canções de amor, mas tem, pelo menos duas dezenas muito boas, algumas delas maravilhosas). i tem menos 55 canções que 69 Love Songs, o que significa duas coisas. Significa que i tem menos canções de alto quilate e, paradoxalmente, tem menos lixo. De resto, estas são canções folk que versam sobre o amor, ou seja, poderiam muito bem estar em 69 Love Songs. Mas, desenganem-se, não soam a sobras. São belas, estas 14 canções. Ah, e claro, o conceito, reparem que todas as canções de i começam por um "i", ou seja, são canções escritas por Stephin Merritt na primeira pessoa.

[Semana 05-05-04] The Concretes editam "The Concretes"


The Concretes é o culminar de nove anos de trabalho - dois EPs e uma compilação - que não é mais do que a fusão desses dois EPs - dos suecos e uma carta de amor ao continente americano - aos Velvet Underground, às girl groups, aos Mazzy Star. 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

[Semana 05-05-04] Devendra Banhart edita "Rejoicing Hands"


Seria difícil situar a "New Weird America" no tempo se não fosse pela famosa capa da Wire, a de Agosto de 2003. Assim, numa das (mais de) 1001 caras da publicação de referência, David Keenan antecipava os anos de ouro do género - Devendra Banhart editaria este Rejoicing Hands (primeira parte de um projecto maior que só terminaria meses depois, com Niño Rojo) e, um ano depois, a obra-prima Cripple Crow, e Joanna Newsom arranjaria forma de não soar aborrecida com o excelente Vs, já em 2006. Rejoicing Hands, que conta com Michael Gira na produção, é um dos pilares de um género que, apesar da magnifica história que o originou, nasceu com os dias contados. Ainda assim, entre 2003 e 2000 e qualquer coisa, as CocoRosie e os Wooden Wand ainda teriam algo a acrescentar. 

domingo, 11 de maio de 2014

[Semana 05-05-04] Ghosface Killah edita "The Pretty Toney"


A "Intro" de dois minutos serve para esclarecer que a transferência da Epic Records para a Def Jam não foi mais do que uma mexida de mercado sem sacrifícios estéticos. Todas as 18 faixas (canções + interlúdios) de The Pretty Toney assentam num sample de um clássico soul, a base para as rimas ora violentas ora divertidas do rapper. É no improvável equilíbrio entre a mensagem de amor dos clássicos soul e as rimas inflamadas de Ghostface que está o grande trunfo do quarto álbum do Ex-Wu Tang Clan.




terça-feira, 6 de maio de 2014

[Semana 27-04-04] Franz Ferdinand editam "Franz Ferdinand"



Já quase tudo terá sido dito relativamente a uma das estreias mais entusiasmantes da década passada, a dos eléctricos conterrâneos de Sir Alex Ferguson, comandados por um outro Alex de apelido Kapranos. Apesar da frescura, o homónimo dos Franz Ferdinand logo pareceu irrepetível. Infelizmente, tal como muitos dos seus contemporâneos, os que aproveitaram o balanço de Franz Ferdinand - gente como os Kaiser Chiefs, os Futureheads e os Maximo Park - os últimos dez anos têm revelado um percurso descendente. Ainda assim, as graças alcançadas são bem mais significativas que as conseguidos por quem fez a cama. Referimo-nos, claro, aos Gang of Four.